Uma revisitação acerca da responsabilidade civil do prático

Uma revisitação acerca da responsabilidade civil do prático

O serviço de Praticagem é requisito essencial ao transporte marítimo seguro e eficaz no Brasil e na maior parte do mundo. O prático tem por função auxiliar o comandante nas manobras de ingresso e atracação nos portos, o que levanta a discussão acerca de suas responsabilidades em caso de erro ou acidente da navegação. Contratempos geralmente levam a prejuízos financeiros significativos, além de ambientais e da salvaguarda humana.

Cabe sublinhar que não há norma específica no ordenamento jurídico brasileiro estabelecendo diretrizes sobre a responsabilidade civil deste profissional em caso de culpa ou dolo no exercício da sua atividade. Trata-se aqui de ocupante com extenso conhecimento das peculiaridades de uma determinada região repleta de variações: ventos, rochas submersas, correntes de maré, bancos de areia e clima, entre outros. Fatores estes que devem ser considerados quanto à segurança da embarcação, da mercadoria e, sobretudo, da vida humana, tornando essencial sua codificação e legislação sólida no tocante à responsabilidade do prático.

Vale mencionar o caso da colisão do navio “N/M Sanko Rejoice” com o cais da CADAM, no rio Jarí, no estado do Pará, em julho de 2000. O Tribunal Marítimo, com base no laudo pericial, entendeu que houve erro de manobra por imperícia do prático e negligência do comandante. O primeiro, responsável pela atracação segura e o segundo corroborou com sua omissão, pois de acordo com o acórdão daquela Corte o comandante “assistia a tudo passivamente, embora confessasse perceber as imperfeições praticadas pelo prático”. Decidiram então, por unanimidade, pela procedência da preliminar apresentada pela empresa “Jari Celulose S/A” e condenando cada um (prático e comandante) à pena de multa no valor de mil reais.

Diante de norma limitada frente a outras nações de tradição em shipping, ressalta Matusalém Pimenta, prático e doutrinador, que não há relação contratual nem mesmo de prestação de serviço, como alguns defendem na área maritimista. Isso porque não há liberdade de contratar, pois ao prático não há a opção da recusa na prestação deste serviço, sendo inócuo imputar apenas a ele, e quando conveniente, certas sanções.

Ainda no contexto quanto à natureza jurídica de assessoramento ao comandante, o prático é um “preposto” auxiliar técnico perante as manobras desenvolvidas pela embarcação. Ademais, a Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário (LESTA), em seu artigo 2º, estabeleceu que tal responsabilidade é intransferível, sendo dever do comandante a direção do navio, quando estiver em águas restritas ou mar aberto. Nessa linha, não parece justo à boa parte da doutrina o posicionamento da Corte Marítima ao impor ao prático graves sanções quando houver culpa subjetiva do comandante e objetiva do armador daquela empresa de transporte marítimo.

Outro fator relevante é que os armadores possuem apólices altíssimas de seguro e que mesmo não estando o prático coberto por um seguro sempre haverá os Clubes de Proteção que arcarão com danos a terceiros, já previsto pelo nosso Código Civil, em que aquele que causa o dano fica obrigado a repará-lo (art. 927). Outrossim, não convém obrigar uma pessoa jurídica suportar custos elevados, além de ter seu patrimônio dilapidado frente a uma indenização ostensiva resultante de ação de responsabilidade, gerando insegurança ao exercício da atividade.

Da responsabilidade civil perante ao armador, resta óbvio o direito de regresso, por meio de ação própria face o causador do incidente. E o limite para a responsabilidade civil do prático se dará tão somente mediante ação de regresso, com prova clara do Tribunal Marítimo condenando o prático por dano tipificado no transporte marítimo e fato impossível de ter sido evitado pelo comandante.

Convenhamos que viver em sociedade seria espantoso se todos fizessem aquilo que bem entendessem, sem parâmetros, para não dizer que seria impossível. Isto posto, é dever do Estado criar regras claras que ditem sobre a liberdade ampla do indivíduo para se relacionar com seus pares, inclusive na navegação.

Frisa-se por fim que a violação de limites implica em ofensa ao direito alheio, cabendo ao infrator repará-lo por descumprir normas rotineiras, sem o caráter punitivo, e sim visando tão somente a conservação dos bens jurídicos em discussão.

Autora: Najla Buhatem Maluf é cientista política e advogada – Rachid Maluf Advocacia & Consultoria. Especialista em Comércio Exterior e Direito Marítimo Internacional pela Maritime Law Academy
Fonte: Porto Gente

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