Serviço de Praticagem e as recentes medidas da DPC: o outro lado da verdade

Serviço de Praticagem e as recentes medidas da DPC: o outro lado da verdade

O Serviço de Praticagem no Brasil tem sido alvo constante de notícias veiculadas na imprensa.

Recentemente, a Diretoria de Portos de Costas alterou as Normas para o Serviço de Praticagem (NORMAM 12) aumentando a lotação de várias Zonas de Praticagem e abriu processo seletivo para praticante de prático. Estas medidas adotadas pela DPC tem suscitado intensos debates principalmente em torno da ausência de estudos que amparassem as medidas .

Um dos aspectos invocados pela DPC para as recentes medidas refere-se ao valor dos serviços de praticagem que vem sendo apontado como um dos fatores responsáveis pelo alto preço dos fretes marítimos.

Mas até onde o preço de praticagem é efetivamente um dos “vilões” dos altos custos portuários? Ao contrário do tem sido veiculado, há estudos especializados que contestam a tese de que o serviço de praticagem é fator de impacto significativo.

Em 2009, estudo realizado pela FGV no Porto de Santos apontou que o elemento praticagem reflete entre 0,40% e 0,59% do custo de transporte marítimo e entre 0,12% e 0,18% do custo logístico total de exportação e, portanto, o peso dos valores de praticagem no Porto de Santos tem influência pouco significativa no preço final dos produtos transportados.

Outro ponto que vem sendo criticado refere-se ao aumento de lotação de algumas Zonas de Praticagem cuja lotação conta com excedentes. O aumento do numero de práticos poderá afetar os índices de segurança da navegação, expondo a região a riscos ambientais.

Uma das lotações questionadas refere-se a ZP 16. A grande preocupação é com a região de São Sebastião, Ilha Bela e TEBAR. A Zona de Praticagem 16 abrange os portos de Santos, da Baixada Santista, de São Sebastião e TEBAR, localizados no Estado de São Paulo, conta com uma lotação de 44 práticos e um excedente efetivo de mais oito práticos, ou seja, 52 práticos atuantes.

Segundo o advogado Renã Margalho, a área do porto de São Sebastião e TEBAR é considerada de alta sensibilidade ambiental, devido às peculiaridades locais e regionais.

“A intensidade da movimentação petrolífera no Canal de São Sebastião explica o fato do litoral norte de São Paulo ser uma região com vasto histórico de vazamentos de óleo. Os acidentes envolvendo diretamente o transporte marítimo (navios) atingiram a marca de quase quatrocentos casos no período de 1998 a 2012. Estudos apontam que a maioria dos acidentes resulta de erro humano da tripulação ou decorrentes de instruções da praticagem. A capacidade técnica só aprimora com sucessões de execução de serviço. O aumento na lotação da na Zona de Praticagem 16 é preocupante pois poderá afetar o nível de conhecimento das especificidades das manobras exigíveis no Porto de São Sebastião e TEBAR expondo a região a riscos de ocorrência de acidentes de grandes proporções.”

O Diretor-Superintendente da Praticagem de Santos Paulo Sérgio Barbosa em entrevista ao Jornal A Tribuna, Caderno Porto & Mar em 15/11/2012 afirmou que o Brasil está procurando uma maneira de ter um desastre. Alegou ainda que essa profusão de matérias que vêm sendo veiculadas na mídia sobre a Praticagem e o novo pacote de concessões nada mais é do que uma manobra orquestrada para colocar o Governo numa obrigação de dar uma satisfação para a sociedade.

“Mas que sociedade é esta que está pressionando, se hoje os armadores são todos estrangeiros? O que tem é um movimento para forçar uma atitude como se esse fosse um clamor da sociedade, mas é uma vontade dos armadores”.

Procurado pela reportagem, o prático Mauro Martuscelli, atuante na ZP 16, concedeu entrevista acerca das medidas tomadas pela DPC.

J. M. A DPC iniciou processo seletivo de novos práticos argumentando que aumentar o efetivo diminuiria os preços do serviço de praticagem. O aumento de práticos diminuiria o preço do serviço?

Martuscelli: “A seleção de novos práticos não afetaria o preço da praticagem pois não existe correlação alguma entre o número de práticos e o preço das manobras. “Veja, por exemplo, a diferença entre as praticagens entre Santos e Rio. Na primeira cidade existe apenas uma empresa de praticagem e na segunda existem sete. Os preços são negociados diretamente pelas empresas de praticagens e armadores, independentemente do número de práticos de cada empresa. O que muda se cada empresa tiver 2 ou 3 práticos a mais? Por outro lado, a NORMAM 12 prevê que a DPC – Departamento de Portos e Costas – poderá arbitrar o preço caso não haja acordo entre o tomador e o prestador do serviço de praticagem. Assim, por lei, nenhum prático pode se negar a prestar o serviço, sob justificativa de não pagamento.”

J. M. O edital do concurso aponta 206 vagas, sendo 20 para a ZP 16. Há realmente necessidade de tantos práticos?

Martuscelli: “Para o Porto de Santos, não há absolutamente nenhum parâmetro que justifique o aumento de 20 novos práticos. Trabalhamos hoje com 33% de nossa capacidade e segundo estudo da USP, encomendado pela CODESP (Contrato DP 15/2009), até 2024 este cenário não vai se alterar, mesmo levando-se em consideração novos terminais, dragagens e aposentadorias de práticos. O que já está acontecendo hoje é o aumento do porte de navios e isto significa diminuição do fluxo de navios para os próximos anos, posto que a maior capacidade de carga é inversamente proporcional ao número de viagens. E mais, este dado nos alerta para maior especialização dos práticos já existentes e não para o aumento de práticos, posto que, em regra, quanto maior o navio, mais difícil a manobra, aumentando o coeficiente de riscos de acidentes. O aumento do número de práticos, no caso da ZP 16, significa uma redução do número de manobra/mês por prático. Isso é um risco desnecessário!”

J.M. A DPC divulgou estudos que comprovem a necessidade de processo seletivo? Soubemos que há candidatos aprovados no processo de 2011 que ainda não assumiram. Procede?

Martuscelli: “A DPC não publicou nem deve publicar estes estudos, pois não há indício algum de aumento de movimentação de números de navios para esta década. O próprio site da ANAQ divulgou que houve uma diminuição dos números de manobras entre 2010 e 2011. Quanto ao concurso de 2011, parece-me que 31 candidatos foram aprovados em todas as fases e não foram chamados. Talvez fosse uma boa opção para DPC usar desse contingente em excesso em alguma ZP que estivesse com falta de prático.”

JM. O Concurso para a Praticagem é considerado um dos mais difíceis. O prazo de 02 meses para preparação do candidato é suficiente?

Martuscelli: “Nunca se viu tal prazo entre os melhores concursos do Brasil, seja para magistratura, ministério público ou tabelionato. É impossível ao candidato ler toda bibliografia citada quanto mais estudá-la a contento. O concurso deve selecionar candidatos que num futuro bem próximo serão duramente questionados por Comandantes de navios muito experientes. A DPC espera que estes futuros profissionais se preparem teoricamente em dois meses? E mais, grande parte da bibliografia é estrangeira, portanto, indisponível para pronta entrega no Brasil. Vê-se assim que a DPC se precipitou no sentido de visar com este processo seletivo um público em nível de pós-graduação em engenharia naval, dando-lhe um prazo irrisório de dois meses de preparação.”

J.M. As manobras na região de Santos e São Sebastião são semelhantes? O aumento de efetivo vai de encontro aos padrões de segurança? Quais os tipos de navios mais manobrados?

Martuscelli: “As manobras realizadas em Santos e São Sebastião são completamente distintas. Vejamos algumas diferenças: Em Santos, a média de deslocamento (peso) dos navios pesados gira em torno de 70.000 tons, no máximo 13,3m de calado, uso máximo de 2 rebocadores, média sensibilidade ao vento e corrente, manobra é dinâmica, grande tráfego de navios, ferry boat, barcos pesqueiros, exige-se muita sagacidade dos práticos no sentido de se manobrar no “time” certo para não interferir no tráfego e manobra de outro navio. Já em São Sebastião, a média de deslocamento (peso) dos navios pesados gira em torno de 170.000 tons, calado máximo 20m, uso de 4 rebocadores por manobra, altíssima sensibilidade ao vento e corrente, manobras com navios gigantes com altíssimo risco ambiental, aproximação lenta e atenção máxima na atuação de contingência. O litoral norte de São Paulo é, segundo a CETESB, a área mais afetada por derramamento de óleo no Brasil, justamente por causa do TEBAR (Terminal de Petróleo Almirante Barroso) em São Sebastião. E as principais razões são as intempéries e as falhas mecânicas durante as manobras de navios, ou seja, correntes muito fortes, ventos, falha de leme e/ou máquina dos navios, na maioria das vezes.

J.M. O aumento na lotação diminuirá a frequência de manobras e poderá aumentar o risco de acidentes. Foi retirada também a exigência de um numero mínimo de manobras na região de São Sebastião e TEBAR.

Martuscelli: “Quanto à responsabilidade por um acidente, creio que o assunto seja delicado, pois como culpar um profissional que será obrigado a trabalhar um dia por mês? Este será o caso dos práticos da ZP16 quando do ingresso dos 20 novos práticos em São Sebastião. Além disso, na medida em que a DPC colocou 20 novos práticos, ela se viu obrigada a retirar o número mínimo de manobras (04 manobras/mês) que um prático precisaria para se manter habilitado. Assim, um prático permanecerá eternamente habilitado a manobrar estes super navios, mesmo sem fazer uma manobra sequer por meses. Isto me parece muito assustador e de uma tremenda falta de comprometimento com a sociedade local e com o meio ambiente. Enquanto o mundo inteiro especializa mais seus práticos, estamos assistindo um verdadeiro retrocesso em nosso País. Creio que este assunto deveria ser seriamente discutido com a Praticagem de São Sebastião, MP, OAB, IBAMA e a sociedade organizada da região de São Sebastião e Ilha Bela, pois um acidente com um petroleiro pode ter proporções épicas naquela região. Parece-me que a DPC tomou esta medida arbitrariamente e ela deve responder por atos também.”

J.M. Recentemente foi publicado o Decreto nº 7.860, de 6 de dezembro de 2011, que cria a Comissão Nacional para Assuntos de Praticagem, com o objetivo de elaborar propostas sobre regulação de preços, abrangência das zonas e medidas de aperfeiçoamento relativas ao serviço de Praticagem. A DPC não deveria aguardar a atuação e posição desta Comissão para propor novo concurso?

Martuscelli: “Esta comissão, que contém representantes da Marinha do Brasil, tem a premissa básica de discutir preços. Por outro lado, a DPC deve, por lei, zelar pela segurança da navegação, salvaguarda da vida humana bem como assegurar um meio-ambiente livre de poluição por navios e fazer um estudo técnico profundo em cada ZP do Brasil visando determinar onde há deficiência de práticos e isto não é função da comissão. A profissão de prático requer muita expertise e proficiência e é o mesmo que se espera do órgão que a regula. A NORMAM 12 item 0245 nos dá todos os parâmetros para mudança de lotação das ZP’s, são eles: volume do tráfego de embarcações, o tempo despendido e o grau de dificuldade para a realização das fainas de praticagem, a necessidade de manutenção da habilitação e a carga máxima de trabalho do Prático. Nenhum dos parâmetros listados pode ser alegado pela DPC e, portanto, não há o porquê desse novo concurso. Talvez uma ou outra ZP, possa necessitar de alguns práticos, mas isto deveria ser fruto de um minucioso estudo técnico, repita-se incansavelmente. Esta comissão não tem respaldo técnico para isto, mas a DPC tem, embora infelizmente não o tenha usado.”

Fonte: Justice Mirror Brasil

14 Comments on “Serviço de Praticagem e as recentes medidas da DPC: o outro lado da verdade

  1. Comentário de quem nao conhece o meio é que nem bumbum de neném…só sai pérola .
    Vão se instruir e nao apenas ver o que o pratico recebe por seus serviços. Vão estudar mais pra ver se da próxima dá para vocês passarem…. Creio que daqui a 10 anos deve ter outro.

  2. Muito bem colocado. Estes argumentos de certa forma "fracos" só mostram a preocupação pelo retorno financeiro. Quem já manobrou com este "pilot" sabe da ganância do mesmo.

  3. A questão não é se cabem mais práticos, a questão é que não são necessários mais práticos… pura e simplesmente…

    Se na citada ZP o prático sai correndo de um navio para o outro é pq praticam a melhor relação escala/repouso jamais sonhada por uma praticagem…

    A os ganhos auferidos/prático obviamente vai cair se entrarem mais práticos, porque não há mais dinheiro entrando, há apenas mais gente pra dividir…

    A argumetação do prático de que vão ser menos manobras por prático faz sim sentido do ponto de vista da manutenção da habilidade de manobrar… só quem pode defender que não é quem não tem qualquer vivência de navio ou de manobra… se o que realmente o motivou a escrever o texto foi isso, não há como saber… mas que sua argumentação é válida, é válida…

    Quem defende que "cabem" mais práticos, está simplesmente querendo entrar na profissão… pura e simplesmente… não admitir isso é pura hipocrisia…

    Abraço a todos.

  4. Acho muita graça da dicussão hoje sobre Praticagem,salarios,processo seletivo,entra ou não de civis.Quando iniciei minha vida marítima em 1982,apenas alguns oficiais de náutica,ou comandantes aposentados desejavam ser praticos,os salarios eram menores do que os salarios do pessoal de bordo,e somente aqueles que não tinham vocação para o mar,prestavem concurso para a praticagem,civis eram raros os que se tornavam praticos.Porque que hoje a praticagem se tornou essa corrida ao ouro?Respondo porque aqui no Brasil os praticos conseguiram criar um sistema através de tarifas altas/ausencia de concursos/lob junto a dpc para estabelecer escala unica e etc… fazendo com que fosse o unico lugar do mundo onde um pratico ganha 200k.Alguem tem que pagar essa conta porque não existe almoço de graça , e é exatamente isso que a Presisdenta Dilma está corrigindo agora ,com concurso frequentes /redução de tasrifas e desregulamentação e termino do lob/monopolio.Escutamos agora os praticos e defensores dos seus ganhos falando em segurança a navegação,como se os praticos fossem os donos da segurança a navegação.Meus amigos por favor,O MAIOR RESPONSAVEL PELA BOA EXECUÇÃO DE UMA MANOBRA É O COMANDANTE E SUA TRIPULAÇÃO.Cada membro do Briedge team Mnc/Chemaq/Imto/WATCH MAN são os principais atores e responsaveis pela segurança,no entanto não são nem sitados.Os praticos de apoderaram dessa expressão e de coadjuvantes tornaram-se atores principais.Praticos e praticantes de pratico acabou os ganhos exorbitantes ,preparem-se para ganhar salarios normais como é em qualquer parte do mundo. 30k.Assim agora não veremos mais praticos chamando Comandantes de navio de motorista de onibus e comparando-se a pilotos de formula 1.Brincadeira….

  5. Se o seu conhecimento da situação da praticagem for tão bom quanto o seu conhecimento da língua materna, notamos que suas "sitações" são um tanto quanto equivocadas.

    Os práticos de Santos trabalham 7 dias e folgam 21. Não falta prático lá, na verdade sobra! Como assim, trabalha 1 e folga 3? Vocês não sabem de nada, são todos tão ávidos por dinheiro quanto os que acusam.

  6. Putz …………….vamos lá ……… o valor do frete não vai baixar colocando mais práticos, mas sim vai diminuir seus salários, O Brasil vai deixar de crescer se dinimuir o seus salários ? não entendí essa ação ? rsrsrs. a única coisa que vai acontecer é não atrasar manobras.

  7. Quanta besteira. O único assunto que prático realmente domina é Segurança da Navegação. Porém sempre que se fala sobre isso, o que vem a tona é o viés financeiro da profissão. Aliás, o único item que o governo não deveria contestar, haja visto que é fruto de livre negociação. Deveria sim valorizar a segurança institucional e material que esse profissional provê à nação sem ônus à sociedade.

  8. Com certeza é uma arbitrariedade e sem enbasamento técnico. Deve ser cultural o fato de piorar uma das poucas coisas (a praticagem) que funcionam neste país. As mídias tem dado alarde, de alguns anos para cá e eles estão achando o salário do prático muito alto, e esquecem que os nosso políticos "ganham" (e roubam) mais do que isto, jogadores de futebol pernas-de-pau ganham bem mais. A nossa cultura é uma merda mesmo..

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